
Alimentação Vegetariana no Desporto: será assim tão “game changer”?
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Introdução
Não há dúvidas que o interesse em torno do vegetarianismo tem vindo a aumentar nos últimos anos, mas também por parte dos atletas. No meio desportivo, os dados relativos à adesão a padrões alimentares vegetarianos são ainda escassos: um estudo que reporta que 7 % dos atletas dos Jogos da Commonwealth eram vegetarianos [1] e, no contexto de desportos de endurance, foi identificado que entre 10 a 18 % dos corredores de ultra- meia- e uma maratona praticavam uma alimentação vegetariana ou vegana [2]. Mas, embora este padrão de consumo desperte o interesse dos atletas, por acreditarem que lhes poderá trazer melhores resultados, é de considerar que o treino pode resultar em adaptações bioquímicas musculares que incrementam as necessidades de alguns nutrientes e, por isso, existe alguma preocupação que atletas vegetarianos poderão não receber uma nutrição adequada, necessária para uma performance ótima.
Desafiando esta preconceção, o documentário «Game Changers» lançado em 2019 aborda os benefícios do consumo de alimentos de origem vegetal, bem como os “perigos” do consumo de carne. Destinando-se principalmente a atletas, profissionais e demais interessados na área do desporto, ainda que a intenção de promover um maior consumo de alimentos de origem vegetal fosse interessante, o principal perigo acaba por estar no nível de desinformação e confusão que transmite, e na visão dicotómica em relação à alimentação – a noção de que um alimento só pode ser visto como inerentemente “bom” ou “mau” – embora, na realidade, quando o objetivo é um melhor desempenho desportivo, a dieta deve garantir o fornecimento de nutrientes em função dos objetivos específicos, podendo ser assegurados através do consumo de uma variedade de alimentos.
Benefícios para a saúde ou a gestão do peso corporal, também estão entre as motivações dos atletas para transitar para padrões alimentares vegetarianos, assim como o fornecimento de um maior aporte de hidratos de carbono, que poderá estar associado a efeitos favoráveis na capacidade de exercício [3]. Por outro lado, na população em geral, os vegetarianos apresentam frequentemente menores reservas de ferro [4]; a dieta vegana em particular, é frequentemente caracterizada por fornecer um menor aporte de proteína e, alguma evidência aponta para níveis de creatina e carnosina mais baixos entre os vegetarianos, que poderão impactar negativamente a performance [5, 6]. Consideradas estas variáveis, importa perceber em que medida uma alimentação vegetariana/vegana pode afetar o rendimento desportivo.
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Efeitos na performance desportiva
Para responder a esta questão, vamos analisar estudos nos quais foram aferidas as capacidades físicas em testes de performance aeróbios, anaeróbios, ou de força, de vegetarianos (treinados ou não), relativamente a omnívoros. Até à data, os estudos que comparam atletas vegetarianos a omnívoros não observaram diferenças em relação à performance atlética. [3, 7]
É de ressalvar que o número de trabalhos que comparam o efeito destes padrões alimentares é escasso, especialmente em indivíduos treinados. Outras limitações incluem a dificuldade em obter uma amostra adequada de atletas vegetarianos, e a heterogeneidade das dietas nos estudos transversais [8-11]; nos estudos randomizados controlados, as limitações incluem as diferenças em termos de ingestão de macronutrientes entre grupos, o baixo número de participantes, e períodos de intervenção reduzidos (4 dias a 12 semanas) [12-15].
Começamos por analisar os estudos transversais:
- O trabalho de Lynch et al. (2016) comparou atletas com uma dieta omnívora (n=43) ou vegetariana (n=27), e verificou um VO2max superior nas mulheres vegetarianas (53 ± 6,9 vs. 47,1 ± 8,6 mL·kg-1min-1 para as vegetarianas e omnívoras, respetivamente, p < 0.05), sem diferenças significativas entre os grupos dietéticos do sexo masculino. Os resultados da avaliação da força muscular (peak torque) foram comparáveis entre os grupos. [8]
- O trabalho de Nebl et al. (2019) comparou a potência máxima em atletas recreativos jovens, que seguiam um padrão alimentar vegano (n=24), ovo-lacto-vegetariano (n=24) ou, omnívoro (n=26), não se verificando diferenças significativas entre os grupos (PmaxBW, OMN: 4,15 ± 0,48, LOV: 4,20 ± 0,47, VEG: 4,16 ± 0,55 Wkg-1, p = 0.917). Os resultados para a [lac] e [glc] máximas, e submáximas, também não foram significativamente diferentes entre os grupos. [10]
- O estudo de Boutros et al. (2020) analisou as diferenças na capacidade de endurance e força muscular entre atletas do sexo feminino, que seguiam uma dieta vegana (n=28) ou omnívora (n=28), há pelo menos 2 anos. Os autores reportaram que o VO2max estimado foi significativamente superior no grupo de veganas comparativamente ao grupo de omnívoras (44,5 ± 5,2 vs. 41,6 ± 4,6 mL·kg-1min-1, p = 0.03, respetivamente), e um melhor desempenho no teste de endurance submáximo até à exaustão (12,2 ± 5,7 vs. 8,8 ± 3,0 min, p = 0.007, respetivamente). Não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas na força muscular, entre os grupos. [11]
Coletivamente, estes trabalhos observacionais sugerem que a adesão a um padrão alimentar vegetariano (e vegano) parece suportar a manutenção da força muscular e capacidade de endurance.
Alguns trabalhos analisaram o efeito a curto-prazo da dieta ovo-lacto-vegetariana em parâmetros de performance aeróbia e anaeróbia:
- Baguet et al. (2011) reportou não haver diferença na capacidade de realizar sprints repetidos máximos (numa intervenção de 5 semanas de treino de sprint), entre participantes que seguiam uma dieta vegetariana (n=9) ou omnívora (n=10). [16]
- No estudo de Hietavala et al. (2012) a adesão a uma dieta vegetariana não teve um efeito significativo no tempo de exercício até a exaustão. [14]
- Raben et al. (1992) não encontrou diferenças no consumo de oxigénio máximo entre os participantes sujeitos a uma dieta vegetariana durante 6 semanas. [15]
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Tabela 1: Resumo dos trabalhos que estudaram o efeito de dietas vegetarianas em testes de performance aeróbios e anaeróbios.
Autor(es)-Ano | Desenho do estudo | Amostra | Intervenção | Outcomes analisados | Resultados / Conclusão |
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Baguet et al. (2011) | Estudo quasi experimental | 19 indivíduos não treinados, alocados nos grupos: • Dieta ovolactovegetariana (5♀ e 4♂; 20.8 ± 1.4 anos) • Ou, dieta mista (5♀ e 5♂; 21.5 ± 1.7 anos). | • 5 semanas de treinos de sprints (2-3 vezes / semana). • Composição da dieta vegetariana: 2226.84 kcal (P: 13.13 %; HC: 55.08 %; L: 28.00 %); e mista: 2315.70 kcal (P: 15.78 %; HC: 54.55 %; L: 26.02 %). | • Teste de sprints repetido (6 × 6 s) | • ↔ |
Boutros et al. (2020) | Estudo transversal | 56 atletas recreativas do sexo feminino (25.6 ± 4.1 anos): • 28 atletas veganas; • 28 atletas omnívoras. Adesão à dieta > 2 anos. | NA | • Consumo máximo de oxigénio (VO2max); • Teste de endurance submáximo até à exaustão • Força muscular, leg press • Força muscular, chest press | • ↑ • ↑ • ↔ • ↔ |
Hanne et al. (1986) | Estudo transversal | 98 atletas jovens: • 48 atletas vegetarianos ou veganas; • 48 atletas omnívoras. Adesão à dieta > 2 anos. | NA | • Consumo máximo de oxigénio (VO2max); • Performance anaeróbia (teste anaeróbico Wingate) | • ↔ • ↔ |
Hietavala et al. (2012) | Estudo randomizado controlado (crossover) | 9 atletas recreativos do sexo masculino (23.5 ± 3.4 anos) | • Estudo com crossover, de 4 dias de uma dieta ovolactovegetariana ou dieta omnívora (e 16 dias de período de washout), com a respetiva troca. • Composição da dieta vegetariana: 2400 kcal (P: 10.1 %; HC: 58.7 %; L: 24.7 %); e mista: 2792 kcal (P: 17.6 %; HC: 49.8 %; L: 28.1 %). | • Teste submáximo no ergómetro (3 etapas de 10 min a 40, 60 e 80 % do VO2max) • 100% do VO2 max até à exaustão | • ↑ • ↔ |
Lynch et al. (2016) | Estudo transversal | 70 atletas de endurance: • 27 vegetarianos (13♀ e 14♂, com 36.7 ± 7.7 e 36.1 ± 10.2 anos, respetivamente); • 43 omnívoros (17♀ e 26♂ com 37.1 ± 8.7 e 38.0 ± 10.0 anos, respetivamente). • Adesão à dieta > 3 meses. | NA | • Consumo máximo de oxigénio (VO2max); • Avaliação da força muscular com dinamômetro para determinação do peak toque (nas leg extensions) | • ↑ nas mulheres (vegetarianas), mas ↔ nos atletas do sexo masculino • ↔ |
Nebl et al. (2019) | Estudo transversal | 76 atletas recreativos de corrida: • 24 veganos (15♀ e 9♂, média de idades de 27.5 ± 4.26 anos); • 26 ovo-lacto-vegetarianos (16♀ e 10♂, 27.6 ± 4.31 anos); • 26 omnívoros (16♀ e 10♂, 27.2 ± 4.05 anos). • Adesão à dieta > 6 meses. | NA | • Potência Máxima em função do peso corporal • Potência Máxima em função da massa isenta de gordura • [lac] máxima e submáxima • [glc] máxima e submáxima | • ↔ • ↔ • ↔ • ↔ |
Raben et al. (1992) | Estudo randomizado controlado (crossover) | 8 atletas de endurance do sexo masculino (média de 22.5 anos) | • Estudo com crossover de 6 semanas de uma dieta ovo-lacto-vegetariana ou dieta omnívora (e 2 semanas de período de washout), com a respetiva troca. • Composição da dieta vegetariana: 4371.9 kcal (P: 14.7 %; HC: 57.9 %; L: 27.4 %); e omnívora: 4180.8 kcal (P: 13.9 %; HC: 57.2 %; L: 28.7 %). | • Consumo máximo de oxigénio (VO2max); • Contração voluntária máxima; | • ↔ • ↔ |
↔ Sem diferenças significativas; ↓ resposta significativamente reduzida; ↑ resposta significativamente aumentada.
No que diz respeito aos ganhos de força e massa muscular, Campbell et al. (1999) avaliou se o consumo de uma dieta ovo-lacto-vegetariana poderia influenciar os ganhos de força e as mudanças na composição corporal induzidas por um protocolo de treino de resistência. [12] Neste trabalho, apesar dos ganhos similares de força entre os grupos (possivelmente explicados pelo melhor controlo neuromuscular e maior contribuição do sistema nervoso nos ganhos de força iniciais), os indivíduos que consumiram uma dieta vegetariana obtiveram menores ganhos de massa magra. Por oposição a estes resultados, um estudo realizado pelo mesmo grupo de trabalho, verificou um aumento de força muscular (14–38 %) e de massa magra, sem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, mas com uma ingestão proteica superior relativamente ao estudo prévio (1,15-1,17 e 1,03-1,10 g·kg-1·d-1, para o grupo dos vegetarianos e omnívoros, respetivamente). [13]
No entanto, permanecia ainda a ideia de que as fontes proteicas vegetais eram inferiores às proteínas de origem animal, dado o seu menor potencial anabólico, verificado pela menor resposta aguda da síntese proteica muscular, após a ingestão de fontes proteicas como a soja [17-19], e o trigo [20]. No que diz respeito aos efeitos crónicos, em termos de ganhos de massa magra associados ao treino de resistência, nem todos os trabalhos verificaram a inferioridade da soja [21, 22] ou, da proteína de arroz [23]. Mas, careciam estudos que comparassem diretamente o efeito de dietas, e não apenas de suplementos de base vegetal, sobre as adaptações induzidas pelo treino de resistência, e que atendessem às atuais recomendações de ingestão proteica diárias (entre 1,6 g a 2,2 g·kg-1·d-1) [24].
O trabalho de Hevia-Larraín et al. (2021) investigou os efeitos de uma dieta hiperproteica (1,6 g·kg-1·d-1), omnívora ou exclusivamente vegetal, sobre a massa muscular e a força, em indivíduos jovens, sujeitos a um protocolo de treino de resistência. Ambos os grupos demonstraram aumentos significativos (p < 0.05) na massa magra da coxa (VEG: 1,2 ± 1,0 kg; OMN:1,2 ± 0,8 kg), na área de seção transversal do reto femoral (VEG: 1,0 ± 0,6 cm2; OMN: 0,9 ± 0,5 cm2), do vasto lateral (VEG: 2,2 ± 1,1 cm2; OMN: 2,8 ± 1,0 cm2), das fibras musculares tipo I (VEG: 741 ± 323 μm2; OMN: 677 ± 617 μm2) e tipo II do vasto lateral (VEG: 921 ± 458 μm2; OMN: 844 ± 638 μm2), e no 1RM na leg press (VEG: 97 ± 38 kg; OMN: 117 ± 35 kg), sem diferenças entre os grupos. Os autores concluíram que uma dieta hiperproteica (~1,6 g·kg-1·d-1), exclusivamente de base vegetal (com alimentos minimamente processados, mas que também incluiu a suplementação com 0,79 ± 0,21 g·kg-1·d-1 de proteína isolada da soja) parece suportar os ganhos de força e massa muscular num grau similar a uma dieta omnívora (ajustada para o mesmo valor proteico relativo).
Assim, perante uma alimentação vegetariana ou vegana, se a ingestão proteica total diária for adequada, distribuída ao longo do dia de forma sensata, obtida através de uma variedade de alimentos que assegure a ingestão de todos os aminoácidos essenciais, a proteína, mesmo que seja proveniente de alimentos de origem vegetal, não será um factor limitante, e permite suportar os objetivos de treino. Na prática, isto poderá exigir atenção nas escolhas alimentares, sendo que poderá encontrar neste artigo uma análise mais detalhada acerca das fontes proteicas vegetais.
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Tabela 2: Resumo dos trabalhos que estudaram o efeito de dietas vegetarianas no desenvolvimento de força e ganhos de massa muscular.
Autor(es)-Ano | Desenho do estudo | Amostra | Intervenção | Outcomes analisados | Resultados / Conclusão |
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Campbell et al. (1999) | Estudo randomizado controlado | 19 indivíduos não treinados (51-69 anos), alocados nos grupos: • Dieta ovo-lacto-vegetariana (n=10) • Dieta mista (n=9). | • Protocolo de treino de resistência de 12 semanas (treino 2 vezes/semana). • Composição das dietas (semana 11), vegetariana: 2341,2 kcal, e 0,78 ± 0,1 g/kg/dia de proteína; e dieta com carne: 2197,9 kcal, e 1,0 ± 0,08 g/kg/dia de proteína. | • Força máxima muscular (1RM) • Área das fibras musculares tipo II • Massa muscular de corpo inteiro | • ↔ • ↔ (tendencialmente inferior) • ↓ |
Haub et al. (2002) [13] | Estudo randomizado controlado | 21 indivíduos não treinados (65 ± 5 anos), alocados nos grupos: • Dieta ovo-lacto-vegetariana (n=11) • Dieta com carne (n=10). | • Protocolo de treino de resistência de 12 semanas (treino 3 vezes/semana). • Dieta com carne incluía 0,6 g/kg/dia de proteína proveniente da carne, e a dieta ovo-lacto-vegetariana fornecia 0,6 g/kg/dia de proteína proveniente da soja. • Composição das dietas (semana 15), vegetariana: 2229,0 kcal, e 1,15-1,17 g/kg/dia de proteína; e dieta com carne: 2166,8 kcal, e 1,03-1,10 g/kg/dia de proteína. | • Força máxima muscular (1RM) • Área de secção transversal da coxa | • ↔ • ↔ |
Hevia‑Larraín et al. (2021) | Estudo quasi experimental | 38 indivíduos não treinados, alocados nos grupos: • Dieta vegana (VEG; n=19; 26 ± 5 anos) • Dieta omnívora (OMN; n= 19; 26 ± 4 anos) | • Protocolo de treino de resistência 2 vezes por semana, supervisionado, ao longo de 12 semanas; • Ingestão proteica diária de 1,6 g/kg/dia através de proteína suplementar (soja para os VEG ou, soro de leite para OMN). • Composição das dietas (semana 12), VEG: 2359 kcal, e 1,66 ± 0,21 g/kg/dia de proteína; e OMN: 2271 kcal, e 1,70 ± 0,16 g/kg/dia de proteína. | • Massa magra da coxa; • Área de secção transversal do reto femoral • Área de secção transversal do vasto lateral • Área de secção transversal das fibras musculares tipo I e II do vasto lateral • Força máxima (1RM) | • ↔ • ↔ • ↔ • ↔ • ↔ |
↔ Sem diferenças significativas; ↓ resposta significativamente reduzida; ↑ resposta significativamente aumentada.
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Adequação nutricional
Os potenciais efeitos das dietas vegetarianas no rendimento físico e capacidade de exercício são principalmente extrapolados a partir de possíveis fatores nutricionais. Nos trabalhos identificados previamente, a ingestão alimentar dos atletas vegetarianos caraterizou-se coletivamente por um maior aporte de hidratos de carbono, fibra, vitamina C e ferro, e uma menor ingestão de proteína e vitamina B12 [8, 10, 11, 26].
Até ao momento, apenas um estudo transversal comparou os níveis de micronutrientes de atletas recreativos ovo-lacto-vegetarianos (n=26) e veganos (n=28), e verificou que as dietas ovo-lacto-vegetarianas e veganas bem planeadas, com inclusão de suplementos, podem atender às necessidades de vitamina B12, vitamina D e ferro [27]. Neste estudo, por oposição a outros trabalhos [28, 29], não se verificaram diferenças nos níveis de vitamina B12 entre os grupos, reforçando a importância da suplementação por parte de quem se abstém da ingestão de produtos de origem animal. Relativamente aos níveis de vitamina D, hemoglobina e ferro séricos, não se verificaram diferenças. Analisando em particular os níveis de ferritina – parâmetro mais sensível para detetar a depleção das reservas de ferro -, os atletas do sexo masculino omnívoros apresentaram valores séricos superiores, e não se verificaram diferenças entre as atletas do sexo feminino, com uma prevalência de depleção das reservas de ferro comparável entre grupos (26, 23 e 18 %, para omnívoras, vegetarianas e veganas, respetivamente).
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Tabela 3: Recomendações diárias de macro e micronutrientes no indivíduo adulto, segundo a EFSA [30], a ter em consideração no planeamento de um padrão alimentar vegetariano e, as respetivas fontes alimentares.
Nutriente | PRI/AI | Fontes Alimentares |
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Proteína | 1,4-2,0 g/kg/dia; ou entre 2,3-3,1 g/kg/dia em contexto de restrição energética [31] | Leguminosas, produtos à base de soja (bebida de soja, alternativas de soja ao iogurte, proteína texturizada, tofu e tempeh), frutos oleaginosos e sementes, e ovos e lacticínios (no caso dos ovo-lacto-vegetarianos), e suplementos alimentares |
Ácidos gordos ómega-3 | ALA: 0,5 % VET EPA+DHA: 250 mg | ALA: Sementes de linhaça moídas, sementes de chia, sementes de cânhamo, nozes, e os seus óleos; EPA+DHA: Suplementos de óleo de microalgas |
Cálcio | 950 mg | Lacticínios, hortícolas de cor verde-escura, leguminosas, frutos gordos, sementes, e alimentos fortificados como tofu e bebidas vegetais |
Iodo | 150 µg | Sal iodado, algas e lacticínios |
Ferro | Homens: 11 mg Mulheres: 16 mg | Leguminosas, soja e derivados, cereais integrais, frutos gordos, sementes, e alimentos fortificados como cereais de pequeno-almoço |
Zinco | Homens: 14 mg Mulheres: 11 mg | Cereais integrais, leguminosas, frutos gordos, sementes, ovos e laticínios |
Vitamina D | 15 μg | Alimentos fortificados como leite, bebidas e cremes vegetais, cereais de pequeno-almoço e pão, suplementos alimentares (D3 derivada de líquenes), e exposição solar segura |
Vitamina B12 | 4 μg | Lacticínios, ovos e alimentos fortificados como bebidas vegetais e levedura nutricional, e suplementos alimentares |
AI: Adequate Intake; ALA: ácido alfa-linolénico; DHA: ácido docosahexaenóico; EPA: ácido eicosapentaenóico; PRI: Population Reference Intake; VET: Valor energético total.
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Suplementos alimentares possivelmente benéficos para atletas vegetarianos
Na alimentação, a carnitina, a carnosina e a creatina são praticamente apenas encontradas em tecidos animais, em maior concentração no tecido muscular esquelético. [32] A ausência da ingestão de creatina e carnosina nos vegetarianos está associada a menores níveis musculares de creatina [6, 33], e (de forma menos consistente na literatura) de carnosina. [32, 34] No trabalho de Blancquaert et al. (2018), foram analisados os efeitos de uma dieta vegetariana (com e sem suplementação de creatina e β-alanina) nas reservas de creatina, carnosina e carnitina, e verificou-se que a concentração muscular de carnosina e carnitina não sofreu alterações significativas durante o tempo de intervenção, sugerindo que, para estes 2 compostos (que apresentam uma menor taxa de turnover do que a creatina), a síntese endógena poderá ser suficiente para manter os níveis (durante pelo menos 3 a 6 meses). Quanto à creatina, no grupo sujeito à dieta vegetariana sem suplementação, a concentração de creatina plasmática diminuiu 46 % e, aumentou 195 % no grupo com suplementação de 1 g/dia de creatina. [32]
Em vegetarianos, a suplementação de creatina, a par de um protocolo de treino de resistência, foi associada a um aumento significativo na concentração total de creatina, fosfocreatina, força máxima no supino, área da secção transversal das fibras musculares tipo II e massa magra, relativamente ao grupo de vegetarianos que tomaram placebo (p < 0.05). [33] Assim, a creatina é um suplemento adequado para atletas vegetarianos, especialmente para aqueles que praticam treino de resistência e, exercício de curta duração e elevada intensidade. A creatina encontrada na maioria dos suplementos é sintetizada a partir da sarcosina e cianamida e, por isso, não contém derivados de origem animal, podendo ser tomada por vegetarianos e veganos. [6]
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Conclusões
A alimentação pode melhorar o rendimento do exercício através de estratégias nutricionais individualmente planeadas, focando-se nas necessidades energéticas do atleta, no tipo, quantidade e momento de ingestão nutricional, de forma a promover os processos de adaptação induzidos pelo treino, e a recuperação entre sessões de treino/competição. Considerando que até à data, as dietas vegetarianas não parecem melhorar ou diminuir a performance, não devem ser desencorajadas por parte de treinadores e profissionais que acompanham o atleta. E, tal como todos os atletas, os desportistas vegetarianos podem beneficiar de educação alimentar, e acompanhamento nutricional individualizado junto do nutricionista, para assegurar que suas dietas são nutricionalmente adequadas para suportar os objetivos de treino.
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