Bolo amarelo com molho de morangos + como utilizar aquafaba

Bolo amarelo com molho de morangos + como utilizar aquafaba

sobremesased-amine-

Sobremesas & doces

Bolo amarelo com molho de morangos + como utilizar aquafaba

Açúcar, Aquafaba, Farinha de trigo,
Tempo de preparação 90 minutos
Dificuldade
12 Numero de Porções: 12x sobremesased-amine-
12
30 Março, 2018
/
5

Nos últimos anos, julgo que não houve nada que tivesse sido alvo de tanta curiosidade, e que abalasse o que conhecemos da culinária vegana como a aquafaba — o termo que se refere ao líquido de cozimento do grão-de-bico. E o curioso é que esta potencialidade do líquido de cozimento de uma leguminosa não foi descoberta por cientistas ou chefes, mas por um tenor francês, Joël Roessel, que experimentava em casa substitutos veganos aos ovos e, mais tarde, a descoberta foi popularizada pelo engenheiro de software americano, Goose Wohlt. (Se quiserem conhecer melhor a origem da aquafaba, deixo-vos o site oficial.)

A primeira vez que experimentei bater o líquido de uma lata de grão-de-bico fiquei bastante impressionada ao verificar que, o líquido que descartava sempre, poderia transformar-se numa espuma fina (de bolhas de ar pequeníssimas), estável, e que se assemelhava a um merengue à base de claras de ovo. No entanto, alguns minutos depois de a bater, a espuma começava a colapsar, e a sua aplicação em bolos e noutras preparações revelava-se difícil. Acabei por colocar esta opção de lado porque não sabia como poderia estabilizar a aquafaba, e achei que, no máximo, só a poderia aplicar em mousses, suspiros, ou servida imediatamente como um topping de tartes.

Mais recentemente, recebi um comentário (obrigada Nuno Dias!) que despoletou a minha atenção por questionar se já tinha experimentado utilizar aquafaba na receita dos queques de framboesa, baseado na sugestão de um artigo do Food52. Foi aí que decidi retomar as experiências com aquafaba, e comecei por tentar perceber como a poderia estabilizar para incluir naquela receita. No processo, tive a ajuda do novo livro da America’s Test Kitchen, «Vegan for everyone», que inclui algumas páginas onde explicam como utilizar a aquafaba, e pelo menos 4 receitas com este ingrediente, de queques, bolos e suspiros.

O que é a aquafaba e como é que se forma a espuma

O termo aquafaba refere-se ao líquido do cozimento de leguminosas, que pode ser obtido a partir de uma lata de leguminosas cozidas ou, de leguminosas cozidas nas nossas cozinhas. O líquido apresenta uma consistência próxima à das claras e, tal como estas, a sua principal propriedade é a capacidade de formação de espuma. Ou seja, quando sujeita a um stress físico, como a ação da batedeira elétrica, a aquafaba aprisiona o ar em bolinhas pequeníssimas, formando uma espuma branca.
O tempo de batedura necessário para o desenvolvimento de uma espuma firme ronda possivelmente os 4 a 8 minutos na velocidade máxima da batedeira elétrica, dependendo de cada aquafaba. E tem a vantagem de, ao contrário das claras, podermos exceder o tempo de batimento, sem afetar negativamente a espuma. A aquafaba permite obter um volume de espuma significativo: apenas 4 colheres de sopa (60 mL) do líquido rendem cerca de 2 chávenas de espuma.

 

Como estabilizar a espuma

No caso das claras, é comum a adição de sumo de limão ou cremor tártaro para estabilizar as claras batidas em castelo. A adição do ácido atrasa a formação de novas ligações dissulfeto entre as proteínas da clara, aumentando a sua estabilidade e, assim, prevenindo o colapso da espuma. No caso da aquafaba, não é conhecido se são as proteínas ou os hidratos de carbono complexos os responsáveis pela capacidade de formação de espuma, no entanto, em algumas receitas, verifiquei que também era utilizado o cremor tártaro. Isto fez-me questionar se a adição de um ácido também poderia ajudar a estabilizar a espuma de aquafaba…
Assim, experimentei bater 120 mL de aquafaba em 3 condições: sem adição de qualquer ácido (1ª foto); com ½ c.c. (2 g) de cremor tártaro (2ª foto); e com 2 c.c. (10 mL) de sumo de limão (3ª foto). Bati o líquido durante 10 minutos, coloquei num copo medidor, e deixei repousar no balcão durante 60 minutos.

Após os 60 minutos, foi possível constatar que a adição do cremor tártaro foi mais eficaz a estabilizar a espuma do que as restantes condições. A adição do sumo de limão também foi vantajosa, mas não tanto quanto a incorporação do cremor tártaro (talvez por diluir a aquafaba?), tendo-se verificado o depósito de líquido no fundo do copo medidor. A partir desta experiência, quando tenciono incorporar aquafaba numa massa densa e rica, como a de um bolo, utilizo o cremor tártaro para estabilizar a espuma de aquafaba.

 

Como utilizar a aquafaba

Na receita que hoje vos partilho, a aquafaba foi obtida a a partir de uma lata de grão-de-bico cozido pois, para além do esforço ser mínimo, até agora, consegui obter resultados semelhantes com o líquido de diferentes marcas de grão-de-bico em lata. No entanto, sugiro que procurem latas com menor quantidade de sal adicionado, para afetar de forma mínima o sabor da receita. Também podem utilizar o líquido de cozimento do grão-de-bico cozido em casa, mas sugiro que este seja reduzido até uma consistência próxima à do líquido da lata.

Para medir a quantidade de aquafaba indicada na receita, começo por agitar uma lata de grão-de-bico cozido, abro, e passo o líquido de cozimento por um coador, directamente para uma taça. Reservo o grão-de-bico cozido para outras receitas e, finalmente, mexo ligeiramente o líquido, e meça-o. A aquafaba deve guardada no frigorífico e pode ser utilizada até 1 semana após a abertura da lata. Também pode ser congelada, por exemplo num recipiente de cubos de gelo, em pequenas porções, para uso futuro.

Quanto à aplicação em receitas, sugiro que, para quem ainda não experimentou, comece por espreitar a mousse de chocolate da Vânia Ribeiro do blogue Made by Choices, estas panquecas e esta maionese do Kenji López-Alt editor do Serious Eats, e ainda macarrons, suspiros e até pavlova neste grupo de Facebook inteiramente dedicado à aplicação de aquafaba como substituto dos ovos na culinária vegana.

 

Finalmente, voltando ao motivo que me levou a escrever esta publicação. Tentei incorporar a aquafaba na minha receita de queques de framboesa, juntando 35 mL (4,0-4,5 % do total de massa) de aquafaba batida com ¼ colher de chá de cremor tártaro imediatamente antes da adição das frutas. Após algumas experiências, verifiquei que tinha de fazer alguns ajustes à receita original, como incluir uma maior quantidade de baking powder relativamente à de bicarbonato de sódio, e aumentar a temperatura do forno para cerca de 200 °C, para promover um crescimento rápido inicial, antes da crosta dourar.

Depois destes ajustes na receita, resolvi comparar o efeito da adição da aquafaba nos queques relativamente à adição de sementes de linhaça. Deixo-vos as fotografias do resultado final, com a receita original dos queques representada na segunda fotografia, do lado esquerdo. Aviso que não vale a pena assumir que o queque de linhaça é mais fofo com base no seu crescimento evidente. Infelizmente cometi o erro de ter feito os queques de linhaça (mais densos) primeiro, tendo pesado cada queque, e só posteriormente é que verifiquei que era impossível colocar a mesma quantidade de queques de aquafaba nas forminhas. Ou seja, para o mesmo volume de massa, os queques de aquafaba pesavam em média menos 20 g (o que é bastante tendo em conta que cada queque da receita original pesava cerca de 60 g), e por isso é que acabaram por ficar mais pequenos.

Apesar deste erro, foi curioso verificar que os queques de aquafaba apresentaram uma crosta mais dourada, um miolo fofo (inclusivamente no dia seguinte) e bastante menos quebradiço do que a maioria das receitas de queques veganos.

 

Quanto à receita que vos partilho hoje, trata-se de um bolo que se distingue pela utilização de aquafaba na sua massa, e que foi recheado com “chantilly” de coco e um molho de morangos.

Para o desenvolvimento desta receita, tive em conta os ajustes que já referi na receita dos queques mas, admito que ainda não estou completamente satisfeita com a massa do bolo, e acredito que ainda há margem para melhoria… No entanto, para já, trata-se de uma massa que, tendo em conta que não utiliza ovos, é bastante menos quebradiço, não é massudo e, quanto ao sabor, não é excessivamente doce e tem um toque de baunilha e limão.

Esta massa foi dividida em 2 formas, para fazer um bolo com 2 camadas. Entre as camadas, espalhei uma quantidade generosa de “chantilly” à base de creme de coco batido, e cobri com um molho de morangos. Este molho foi espessado com amido de milho para prevenir que escorresse quando fosse colocada a segunda camada de bolo.

Caso não consigam por em prática o “chantilly” e tenham dificuldade em obter uma camada sólida de creme de coco, sugiro que o omitam, e que utilizem apenas o molho de morangos como recheio. Também podem utilizar uma alternativa vegetal ao chantilly, que atualmente já se encontra mais facilmente nos mercados, para decorar a camada superior do bolo. Colocar este género de natas vegetais batidas entre as camadas de bolo poderá não ser uma boa ideia pois provavelmente não suporta o peso da camada superior do bolo, e acaba por escorrer pelas faces, perdendo-se o efeito pretendido.

 

Bolo amarelo (de aquafaba) com chantilly de coco e molho de morangos

Rende 12 porções | 90 minutos | Dificuldade: 3/5

 

Ingredientes:

Massa do bolo
3 ¼ chávenas (455 g) de farinha de trigo T55
2 colheres de sopa (24 g) de baking powder
½ colher de chá (3 g) de bicarbonato de sódio
½ colher de chá de sal
4 colheres de sopa (60 mL) de aquafaba
½ colher de chá (2 g) de cremor tártaro
1 ¾ chávena (420 mL) de bebida vegetal
½ chávena (112 g) de óleo
1 ½ chávenas (250 g) de açúcar
2 colheres de chá (10 mL) de sumo de limão
1 ½ colheres de sopa de extrato de baunilha

Molho de morangos
2 colheres de sopa (25 g) de açúcar
3 chávenas (300 g) de morangos
1 colher de chá de sumo de limão
1/2 colher de chá de amido de milho (dissolvido em 2 colheres de chá de água)

Chantilly de coco
2 latas (800 mL) de leite-de-coco — colocada previamente no frigorifico para assegurar a separação do creme de coco
1 colher de chá de açúcar
½ colher de chá de extrato de baunilha

 

Procedimento:

1. Preaqueça o forno a 200 °C. Unte 2 formas redondas de cerca de 22 cm de diâmetro com gordura e polvilhe com farinha.
2. Numa taça grande, junte a farinha, o fermento (baking powder), o bicarbonato de sódio e o sal, e mexa. Reserve.
3. Bata a água de grão-de-bico (aquafaba) juntamente com o ácido tartárico numa batedeira elétrica durante cerca de 5 a 8 minutos, até a espuma desenvolver picos estáveis. Reserve.
4. Noutra taça, junte a bebida vegetal, o óleo, o açúcar, extrato de baunilha e sumo de limão. Bata a mistura com uma batedeira elétrica até o açúcar ficar completamente dissolvido. Junte a mistura da farinha e mexa, até não se verificarem quaisquer grumos na massa. Incorpore agora cerca de 1/3 da aquafaba batida, e envolva cuidadosamente. Junte a restante espuma e envolva até não serem visíveis fios brancos da aquafaba.
5. Divida a massa pelas 2 formas. Leve ao forno durante cerca de 25 minutos, ou até picar o bolo com um palito e este sair limpo. Depois de retirar do forno, deixe os bolos arrefecerem cerca de 5 a 10 minutos à temperatura ambiente antes de os remover das formas.
6. Enquanto o bolo coze no forno, prepare o molho de morangos: coloque os morangos e o açúcar numo panela pequena. Coza em lume médio durante cerca de 13 a 15 minutos, ou até o molho que se obteve da cozedura dos morangos começar a engrossar. Junte o amido de milho à panela e coza mais 1 a 2 minutos, até espessar. Retire do lume e deixe o molho de morango arrefecer completamente.
7. Enquanto o bolo e o molho arrefecem, prepare o chantilly: retire a camada branca e densa da lata de leite-de-coco (o creme de coco), e bata com a batedeira elétrica ate formar picos, juntando posteriormente o açúcar e a baunilha.
8. Coloque uma das camadas do bolo num prato (se as formas não foram iguais, certifique-se de que está a colocar a camada maior diâmetro no prato). Espalhe sobre o bolo metade do chantilly de coco e, de seguida, a totalidade do molho de morangos. Coloque cuidadosamente a segunda camada do bolo, espalhe o restante chantilly de coco e guarneça com morangos frescos e folhas de hortelã picadas.

 

REFERÊNCIAS:

McGee, H. (2004). On food and cooking: The science and lore of the kitchen. New York: Scribner.

    • Andreia
      05 Abril 2018 / 13:15

      Olá Márcia!
      As duas latas equivalem a que quantidade de creme de coco?
      Estava a pensar em comprar mesmo creme de coco em vez do leite de coco!

      Obrigada,
      Andreia

      • 05 Abril 2018 / 13:20

        Olá Andreia,
        É variável entre as marcas, mas geralmente 1 lata de 400 mL de leite de coco rende cerca de 300 a 250 mL de creme de coco.
        Obrigada,
        Márcia

    • 07 Março 2019 / 12:05

      Excelente artigo sobre aquafaba! Adorei as experiências com rigor científico e as referências a outros autores. Também gosto da procura pela receita de bolo ideal “ainda há espaço para melhoria” (ahah esta procura incessante nas receitas vegan). Já sigo o blog há uns anos e é muito completo…na minha opinião, o melhor blog de receitas vegan em Portugal. Keep up the good work!

    • Soraia Torres
      15 Junho 2020 / 22:56

      Obrigada, obrigada, obrigada 🥰
      Nunca comi um bolo vegano tão fofinho, se não fosse eu a fazer não me acreditaria que não levava ovos 😂
      Muito obrigada pelas suas partilhas, maior sucesso 💚

      • 21 Junho 2020 / 10:16

        Olá Soraia,
        Muito obrigada pelo comentário, fico contente por saber que gostou do bolo! 🙂
        Obrigada por acompanhar a página,
        Beijinho,
        Márcia

    Deixe um comentário

    O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Outras Receitas que merecem destaque